A atenção como capacidade biológica começa nos primeiros organismos unicelulares, os quais precisaram se relacionar com o ambiente por meio de quimiorreceptores, precisaram prestar atenção a seu redor e procurar um ambiente cheio de nutrientes enquanto evitavam outro ambiente tóxico. Evolutivamente, além da sobrevivência e a procura de alimento, a atenção foi se inserindo e tornando as relações mais complexas, como nas interações presa-predador, no cuidado materno e também na formação de estruturas sociais. Portanto, considera-se que a atenção é adaptativa e indispensável ao normal desenvolvimento da vida. Podemos dizer, inclusive, que é uma capacidade primária e prévia à própria vida, de maneira que sem ela não acontecem as funções de reprodução e alimentação. Sendo assim, assistimos preocupados ao sequestro e extração desta atenção para os fins do lucro privado.
Similar a outras tecnologias de poder modernas, o controle e gestão da atenção é baseada num substrato humano e biológico. Nossas células e tecidos são um território de disputa onde o poder pode ser exercido. Nosso corpo está à disposição como mão de obra e produto, e precisamos cuidar dele através de prescrições alimentares, atividades físicas, cuidados com a saúde, e até mesmo intervenções cirúrgicas. Nesse cenário, a atenção, como característica biológica, também é instrumentalizada para o controle do indivíduo. Este tipo de tecnologia poderia ser incluída ao que o filósofo Michel Foucault denominou como técnicas de biopoder, as quais são ativadas em um cenário biopolítico. Se no passado o controle do indivíduo e da população foi através do medo à morte, hoje este controle é feito através da vida, da biologia. Foucault ilustra isso com o caso do castigo penitenciário, o qual passa, no final do século XVIII, da tortura em praça pública ao controle milimétrico da rotina e os hábitos nas prisões modernas. O biopoder também se manifesta, por exemplo, no controle médico e regulado dos processos de nascimento e morte, retirando-os do contexto natural, espiritual e humanizado que anteriormente os caracterizava. O poder é exercido mediante a disciplina do corpo e da mente, controlando e administrando a vida através do trabalho, da educação, da alimentação, da estética, da sexualidade, e hoje, também da nossa atenção.
A economia extrativista da atenção acaba sendo uma destas tecnologias de controle disciplinar da nossa mente e tem como consequência o rebaixamento humano. Isto carrega graves preocupações sanitárias, como problemas no desenvolvimento infantil, saúde mental ou relações interpessoais. Além destas consequências nos planos individuais e coletivos, a extração da atenção é um processo de colonização mental no plano discursivo e político.
A atenção está sendo extraída com fins lucrativos para controlar o comportamento do indivíduo perante o mercado, tanto como trabalhador quanto consumidor. Mas na mesma medida, o conteúdo com o qual a atenção está sendo extraída não só controla o indivíduo como também o constrói.
Na dança frenética da sociedade contemporânea, somos constantemente instigados a fazer várias coisas ao mesmo tempo, uma habilidade que é, curiosamente, celebrada como multitasking. Celebrada enquanto aumento da produtividade e rendimento do indivíduo. É uma diversificação no mercado da atenção. A cultura do multitasking é um sintoma desse cenário de controle e produção subjetiva, onde habilidades multitarefa são elogiadas e até mesmo adicionadas nos currículos como algo essencial para o sucesso. Trabalhar enquanto respondemos e-mails e mensagens, por exemplo, contribuem para o cultivo de uma mentalidade de multitarefa, promovendo um modo de atenção amplo, porém superficial.
Em contrapartida, os animais, na natureza, precisam caçar, comer e estar alertas, simultaneamente. Aqui, o multitasking parece inevitável e uma solução adaptativa às contingências ecológicas. Entretanto, será que este é o caso do humano? O filósofo Byung-Chul Han nos convida a pensar sobre isso. Ele argumenta que o ser humano reside na capacidade de contemplar, meditar e agir com paciência. Em contraste com os outros animais que são obrigados ao multitasking para sobreviver. É essa possibilidade de focar a atenção em algo que é a geradora da filosofia, da ciência e da cultura. É um pré-requisito indispensável para o pensamento abstrato constitutivo e base da humanidade.
Nós, seres humanos, deveríamos nos orgulhar de não estarmos presos a essa demanda incessante por dividir nossa atenção. O multitasking não representa um avanço, pelo contrário, é parte do rebaixamento das possibilidades do ser humano.
Por fim, a abordagem da atenção como uma capacidade biológica nos leva a uma profunda reflexão sobre sua importância e complexidade ao longo da história evolutiva. Desde os primórdios da vida unicelular até os intricados sistemas sociais dos seres humanos modernos, a atenção tem desempenhado um papel fundamental na adaptação e na sobrevivência. No entanto, nossa era contemporânea testemunha uma transformação preocupante, onde a atenção, essa faculdade vital, é cada vez mais capturada e explorada para interesses financeiros. Essa extração da atenção não apenas impacta negativamente nossa saúde mental e relações interpessoais, mas também perpetua uma colonização mental que molda e perpetua valores principalmente de individualismo, materialismo e maquinização do ser humano. Enquanto somos incentivados a abraçar a cultura do multitasking como uma habilidade desejável, devemos lembrar que nossa capacidade única de concentração e contemplação é o alicerce da nossa humanidade. Portanto, resistir à pressão de dividir constantemente nossa atenção é não apenas uma resistência, mas também, um ato de preservação do humano.
Tomas de la Rosa é doutor em neurociências pela Universidade Federal de São Paulo e atualmente trabalha como pesquisador e docente no grupo de pesquisa em Neuropsicofarmacología da Universidad de Cádiz (Espanha). Desde sua formação como biólogo, ele traz um interesse particular pelos aspetos filosóficos e sociológicos da neurociência, através de uma lente crítica e decolonial. Email: tomas.rosa@uca.es/Twitter: @tomasdelarosam